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A relação entre a Coroa Portuguesa e a Grécia que buscava se libertar do Império Otomano.

Atualizado: 9 de mar. de 2021

Um emissário grego entregou na corte portuguesa duas cartas a pedir que o príncipe herdeiro encabeçasse a revolta contra os otomanos. Por um lado, um membro de uma casa real europeia seria um líder acima de quaisquer querelas, por outro, um príncipe vindo de Portugal garantiria o apoio britânico, tão vital para os gregos como o da Rússia, certo depois de o sultão ter mandado enforcar o patriarca ortodoxo.


Duas cartas foram feitas e assinadas pelo grego Nikolao Kiefala, onde os gregos convidam à Família Bragança a ocupar o trono grego e lutar com eles contra o Império Otomano. Esse pode parecer um convite simples e com suas formalidades habituais, porém, todo o contexto pode parecer bem mais complexo do que um simples interesse de laços políticos, bastante comuns nas monarquias absolutistas.


A região que conhecemos hoje por Grécia fazia parte do Império Otomano desde a metade do século XV, quando Constantinopla, cercada, caiu sob domínio dos turcos em maio de 1453. E, durante o período de controle turco sobre a região, chamado pelos historiadores gregos de Turcocracia (1453-1821), o governo otomano, basicamente militar, permitia que os gregos, de certa maneira, participassem da administração de sua província, ocupando cargos importantes dentro do Império. Isso se devia ao fato de a administração estar baseada no sistema de Millets, que era um sistema muito similar ao feudalismo europeu, calcado na taxação de impostos e no controle de fronteiras.

Desde 1821, os gregos lutavam pela sua independência do Império Otomano.


A opressão cultural, no que abrange a religião, a língua e as tradições, variava de administração a administração. Entretanto a possibilidade de uma emancipação política da região só veio com o fortalecimento de uma elite formada a partir do crescimento do setor mercantil, principalmente após a guerra russo-turca de 1768-1774 que permitiu a navegação dos gregos sob a bandeira russa.


Mesmo com o apoio popular, os governos das potências europeias deram as costas ao movimento de libertação dos gregos contra o jugo otomano. Jornais de todas as partes informavam a decisão, principalmente por parte do governo da Inglaterra, de proibir qualquer ajuda aos revoltosos gregos. Apesar da falta de um apoio governamental, a comoção dos ocidentais pela causa grega gerou um movimento chamado de Filelenismo, esse que “era composto por artistas e aristocratas ocidentais que cultuavam o classicismo como fonte do saber” e, esses artistas “identificavam os gregos como cristãos descendentes dos helenos da Antiguidade e berço da sua cultura ocidental, criando assim uma proximidade cultural com eles”.


Que os gregos tenham se lembrado de um português deve ter sido também porque muito em comum poderia haver entre os dois povos. A rebelião grega encheu a Europa de filelenismo e ficaram célebres as pinturas de Delacroix, tal como os poemas de Lord Byron, que por aquelas bandas andou a lutar. Mas também um português foi voluntário contra os turcos para fazer renascer a mais velha nação europeia. O alentejano Figueira de Almeida, veterano da Guerra Peninsular, chegou a general e deixou filhos e netos na nova Grécia.


Mesmo abandonados, nesse primeiro ano de revolução, os gregos tiveram algumas vantagens sob os turcos. Principalmente o elemento surpresa, uma vez que as atividades da Filiki Eteria se mantiveram em extremo segrego. Outra vantagem, somada a decadência que a administração otomana estava passando, era o total controle marítimo que os gregos haviam conquistado, que lhe dava acesso a inúmeros portos chaves da costa do Mar Egeu e do Mediterrâneo. Adicionando ao furor moral e financeiro causado pela ajuda dos filelenos, pode-se dizer que o primeiro ano da revolução foi bem positivo.


Com o Governo Provisório formado, o capitão Nikolao Kiefala, erudito grego que já havia morado na Itália, fora escolhido para a tarefa de arrecadar fundos e, se possível, conseguir um monarca europeu que ajudasse na revolução e, em troca, recebesse a coroa da nova nação. E, depois de passar pela Alemanha e França, Kiefala finalmente chega em Portugal.


A Coroa Lusitana representava, na época, uma grande aliada estratégica para se chegar até a grande potência europeia, a Inglaterra. Como os discursos dos filelenos não haviam persuadido o governo britânico a apoiar a causa grega, o apoio direto de um dos países mais próximos ao governo inglês possivelmente atrairia os grandes navios ingleses aos portos do Egeu, ajuda que seria decisiva na guerra.

Pedro, ainda príncipe, acaba rejeitando o convite grego e viria a se tornar imperador do Brasil logo em seguida.


O que os gregos não contavam era que a questão da Independência do Reino do Brasil estava tomando conta de todas as atenções do governo português. Mas até a partida de Kiefala, em abril de 1822, quando as cartas foram redigidas, ainda acreditava-se em uma conciliação entre o Brasil e Portugal. Por outro lado, setembro, mês do desembarque da embaixada grega, a Independência do Brasil já estava definida e os portugueses não teriam como desviar sua atenção para outro país europeu, ainda mais no estado precário que estava a Grécia.


Interessante também que, além da comitiva para Lisboa, uma pequena quantidade de representantes do Governo Provisório grego, partiu de Lisboa para o Rio de Janeiro, com uma cópia idêntica da carta enviada para D. João VI e D. Miguel, o escolhido pelos gregos. O que ainda não pode ser esclarecido é se essa comitiva enviada às terras brasileiras estava em dúvida quanto à procedência de D. Miguel, ou se D. Pedro seria mesmo uma alternativa para uma possível renúncia do mesmo, ou talvez, até possa ter sido uma busca por um apoio ultramarino do governo lusitano.


A Revolução Grega, acabou de fato alcançando o apoio das Grandes Potências apenas no final de 1826. Tal apoio foi consolidado somente em 20 de Outubro de 1827, com a armada russo-anglo-francesa juntando-se aos gregos na vitoriosa e decisiva Batalha de Navarino.


Referências Bibliográficas:


PETROPOULOS, I. Brasil, Portugal e a “conexão grega” no século XIX. Trad. Victor Villon. Artigo publicado no site Café História. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/conexao-grega/. Publicado em: 10 dez. 2018. Acesso em: 24/02/2021.


DUARTE DA SILVA, M. A. A Casa de Bragança e a Coroa Grega: uma cartada nas relações internacionais da Grécia revolucionária em 1822. XIV Encontro Regional da Anpuh - Rio Memória e Patrimônio, 2010. Disponível em: http://www.encontro2010.rj.anpuh.org/resources/anais/8/1276742736_ARQUIVO_CarlosDanieldeCastilhos.pdf Acesso em 24/02/2021.


Por Sérgio Amaral, historiador e host do Podcast História e Sociedade.


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