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A política externa independente durante os governos de Jânio Quadros e João Goulart.

Atualizado: 4 de jan. de 2021

Com o fim da Segunda Guerra Mundial e início da Guerra Fria e da bipolarização, aconteceram movimentos de não-alinhados a nenhuma ideologia, como demonstrou a realização da Conferência de Bandung. Seguindo essa linha de raciocínio, os governos "Jan-Jan" tentaram seguir uma política independente e sem interferências das duas grandes potências.


Entre meados da década de 1950 e o início dos anos 1960 muitas foram as novidades que pontuaram o cenário internacional. Divergências registradas no interior do bloco capitalista e do bloco socialista paulatinamente arrefeciam a competição Leste-Oeste e, desta forma, aumentavam o grau de permissibilidade do sistema e mesmo de contestação ao status quo. Dentre alguns exemplos, destacam-se a formação do Movimento dos Não-Alinhados, por ocasião da Conferência de Bandung (1955), e a realização de sua Primeira Reunião de Cúpula, em 1961, quando seus membros rejeitaram o alinhamento ideológico com as principais potências como opção de política externa. A independência de dezenas de países africanos (Sudão, Marrocos, Gabão, Somália, Gana, Congo, Senegal, Nigéria, Argélia etc.) caracteriza igualmente este período de grandes mudanças. E, na América Latina, a vitória da Revolução Cubana liderada por Fidel Castro, em 1959, é o exemplo mais contundente deste momento.


Jânio Quadros assumiu a presidência da República em 31 de janeiro de 1961, cargo que ocuparia por apenas sete meses, tendo como seu ministro das Relações Exteriores Afonso Arinos de Melo Franco. Jânio preconizava uma Política Externa Independente (PEI) e, entre os reflexos que essa política assumiu em nossas relações exteriores, estão o pedido de providências de Jânio ao Itamaraty para que fossem reatadas as relações com a URSS e a oposição brasileira a qualquer tipo de intervenção estrangeira em Cuba. Essa mudança na política externa brasileira também levou a que fossem abertas novas Embaixadas brasileiras na África, em países como Senegal, Costa do Marfim, Nigéria e Etiópia, e ao restabelecimento de relações diplomáticas com a Hungria e a Romênia, rompidas desde Segunda Guerra Mundial.


O então Presidente entendia que o Brasil estava ganhando força no cenário econômico mundial. Apontava como pontos fortes do País suas proporções continentais, equivalente a quase metade da América do Sul, sua proximidade em relação à África e a miscigenação de sua população, de raízes indígenas, europeias e africanas, e que, à época, estava prestes a atingir a marca de 100 milhões de habitantes, além da rápida industrialização de algumas regiões do País. Esses elementos, na perspectiva de Jânio, nitidamente faziam prever a nossa transformação em uma potência econômica. Sua intenção era proporcionar ao Brasil a posição a que este fazia jus no concerto das nações.

O então presidente Jânio Quadros ao lado de Che Guevara, participante da então Revolução Cubana em ato de condecoração com a Ordem do Cruzeiro do Sul em 1961.


As aproximações com países comunistas desagradavam os setores que apoiaram Jânio nas eleições principalmente os conservadores da União Democrática Nacional (UDN) e seu interlocutor mais poderoso, Carlos Lacerda. Essas tentativas de estreitar relações com países do bloco soviético reverberavam por jornais de todo o país. O pensamento de Jânio na política externa possuía claras intenções de romper a bipolaridade criada pela Guerra Fria e, consequentemente, promover a abertura de diálogo e de relações comerciais com todos os países, independente de suas ideologias. É possível observar uma política de solidariedade com os países em desenvolvimento e, especialmente, com os novos Estados que emergiam do processo acelerado de descolonização na África e no Oriente Médio, evidenciando um forte caráter anticolonialista. O fortalecimento das solidariedades americanas também é um ponto a se considerar, com vistas a reduzir as assimetrias entre as nações latino-americanas, principalmente o forte peso do poder estadunidense no continente.


A PEI defendia fundamentalmente que a diplomacia deveria passar a refletir o interesse nacional brasileiro em vez de uma diplomacia alinhada a interesses alheios, uma política externa que fosse determinada de acordo com os interesses nacionais, ou seja, formulada de dentro para fora, e não de fora para dentro.


Com a renúncia de Jânio em agosto de 1961, João Goulart estava na China como chefe de missão comercial. Foi adotado o sistema parlamentarista e João Goulart assumiu então o governo, tendo Tancredo Neves como primeiro-ministro e San Tiago Dantas como ministro das Relações Exteriores. A ascensão de Goulart ao poder foi recebida com desconfiança nos Estados Unidos.


O mandato de João Goulart se dividiu em duas fases: o parlamentarismo híbrido e o presidencialismo. No entanto, durante esses dois períodos a concepção da política externa se manteve uniforme durante os quase três anos de seu governo e se caracterizou pela continuidade da PEI, levantando temas que viriam a ser retomados pelo pragmatismo responsável, durante o Governo Geisel. Uma mudança que pôde ser verificada em relação ao governo de Jânio Quadros, no entanto, é que a PEI adquiriu um sentido mais realista e profissional, sob a chefia de San Tiago Dantas e de Araújo Castro.


Ao assumir o Ministério das Relações Exteriores, San Tiago Dantas encontra um clima nada favorável ao reatamento das relações diplomáticas com Moscou, interrompidas desde o governo Dutra. Depois do fracasso em Cuba, em 1961, com os Estados Unidos tendo rompido relações diplomáticas com esse país, enquanto Fidel Castro anunciava seu alinhamento com o bloco socialista, temia-se uma radicalização social no Brasil, considerado pelo governo estadunidense como estratégico no continente. Ademais, no plano interno, foi preciso enfrentar a oposição que, apoiada num anticomunismo, colocava-se contra o restabelecimento de relações com a URSS. Apesar dessa situação, em 23 de novembro de 1961, apoiado nos interesses nacionais, Dantas logra o reatamento de relações diplomáticas com a União Soviética.

João Goulart deu continuidade a PEI, mas com algumas diferenças de posicionamento em relação ao governo de Jânio Quadros.


A universalização da política externa brasileira tem lugar com a implementação da PEI, que representou uma ruptura no processo de definição da política externa brasileira. Seu objetivo foi redirecionar nossa política externa, deslocando-a do eixo norte-americano para uma inserção mais internacional. Ao pregar a autonomia e a universalização, a grande inovação dessa política foi colocar em primeiro plano os interesses brasileiros e sobrepô-los às questões ideológicas da Guerra Fria. Desse modo, a presença hegemônica dos Estados Unidos deveria ser substituída por uma política externa de multiplicação de contatos internacionais. O mais importante e o que deveria ser priorizado era o desenvolvimento, pois o subdesenvolvimento era visto como o principal desafio do mundo pós-guerra e que seria necessário, para o próprio interesse nacional, um esforço em termos globais com vistas à aceleração da taxa de crescimento econômico das nações subdesenvolvidas.


Cumpre ressaltar que a PEI foi de extrema importância por ter estabelecido as bases que possibilitaram alterações na estrutura da política externa. O enfoque não era apenas econômico, mas de expressão eminentemente política. Ali nasce a consciência de que os países da América Latina, África e Ásia compartilhavam certas condições básicas, como o subdesenvolvimento, as deficiências internas, os desequilíbrios econômicos e sociais, e que suas relações não deveriam ser intermediadas pelas grandes potências. Era preciso se unir contra um sistema internacional injusto.


Embora tenha se mostrado mais um discurso, uma intenção, durante o Governo Jânio Quadros e mesmo no de João Goulart, e que pouco de concreto haja sido elaborado, a PEI merece papel de destaque no estudo das relações exteriores do Brasil, uma vez que foi determinante em traçar as bases da política externa que seria majoritariamente seguida nos governos seguintes.


Referências Bibliográficas:

PINHEIRO, Letícia. A política externa independente durante o governo João Goulart. Artigo publicado pela CPDOC/FGV. Disponível em: https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/artigos/NaPresidenciaRepublica/A_politica_externa_independente. Acesso em: 17/12/2020.


GARCIA, Eugênio. Cronologia das Relações Internacionais do Brasil. Rio de Janeiro: Contraponto Editora, 2005.


DANTAS, San Tiago. A Política Externa Independente. Brasília: Fundação Alexandre Gusmão, 2011.


CERVO, Amado Luiz; e BUENO, Clodoaldo. História da política exterior do Brasil. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2015.


VIANA, Suhayla Mohamed Khalil. Política externa independente: Fundamentos e reflexos nas relações internacionais do Brasil (1961-1964). Artigo publicado no XXV Simpósio Anual de História - ANPUH (Fortaleza, 2009). Disponível em: https://anpuh.org.br/uploads/anais-simposios/pdf/2019 01/1548772189_08a05c7fa6c9a716d364b209c4608bc2.pdf. Acesso em: 17/12/2020.


Por Sérgio Amaral, historiador e host do Podcast História e Sociedade.


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